ARTIGOS PUBLICADOS NO JORNAL DE SINTRA
~ ANO 2017 ~
A Rainha D. Carlota
Sepultada em São Pedro
de Penaferrim
A Rainha D. Carlota Sepultada em São Pedro de Penaferrim
por Miguel Boim - Jornal de Sintra, edição de 30 de Junho de 2017
Um rosto pode determinar, determina, a forma como abordamos alguém, fazendo essa abordagem por vezes ser até demasiadamente favorecida. Mas não se trata deste caso. E também não se trata que rostos apenas per si, resolvam vidas ou países. Mas todas as pessoas sabem que “Carlota Joaquina” nunca foi bem amada. Dizê-lo já é exagerar, talvez o melhor seja transmitir que nunca foi benquista. A história – e toda a gente na história com vontade de falar – atribui-lhe sempre e sem excepção, as piores características, as piores visões, os mais irascíveis actos, os mais crudelíssimos gestos, enfim, tornaram-na quase numa câmara de horrores do que a Princesa e Rainha que foi. Como poderá por si perceber, na maior parte das vezes nem direito tem a que o seu nome de baptismo seja precedido de “Rainha Dona...” é apenas Carlota Joaquina. Mas o povo faz pior, da forma jocosa de sua vida falando e pintando imagens suas como se o Tenebrismo espanhol tivesse produzido um exemplar vivo e em três dimensões, quase quatro séculos depois desse movimento dentro da arte barroca ter estado em voga. Daquilo a que hoje temos acesso e é genuíno do seu tempo, de seu punho tirado, percebemos a escrita frenética, cheia de emendas em conteúdos, com abordagens subtis que encapavam arados de fogo para levar cabo a seus intentos. E note: nem do que está no Sintra Lendária, do que o povo dizia ou cantava, estou aqui a falar, mas sim a tratar do seu lado mais real.
A Rainha D. Carlota Joaquina muito favorecida, numa ilustração que acompanhava num exemplar da Illustração Portugueza, um excerto da "novella historica" de Carlos Malheiro Dias, intitulada "O Grande Cagliostro"
E esse lado mais real mostra-nos igualmente a separação do casal dos Príncipes Regentes por, digamos assim, abuso de posição da Princesa: o Príncipe foi para Mafra e a Princesa para Queluz. Mas logo dois anos depois chegaram as águias de Napoleão com as suas invasões francesas e nesse mesmo ano de 1807 o casal partiu para o Brasil antes do Coronel General Andoche Junot, conhecido como La Tempête (“A Tempestade”) chegar a Lisboa.
No Brasil, o casal continua a viver em Palácios separados.
A Rainha D. Carlota Joaquina já mais para o fim da sua vida, em gravura tirada de pintura coeva
Enfim, tudo ajudava as más línguas a criarem a sua “arte popular”. Muitas coisas se passaram nesta primeira metade do século XIX em Portugal, e é impossível dar o panorama completo. Mas o que se passou quando a Família Real regressou do Brasil é que a Rainha D. Carlota Joaquina queria à força que o filho D. Miguel fosse o herdeiro da coroa, o futuro Rei, quando era sobre ser irmão mais velho, D. Pedro, que recaía essa responsabilidade. A Rainha tentava convencer o Rei, dizendo-lhe que D. Miguel ficaria como Rei de Portugal e D. Pedro como Imperador do Brasil. A insistência foi tanta e tamanha que a Rainha acabou por ser exilada no Palácio do Ramalhão. E a vontade de D. Miguel foi tanta que veio a tornar-se Rei à força devido ao falecimento de seu pai. Aqui há poucos anos uma equipa de arqueólogos, historiadores e médicos legistas analisaram as supostas vísceras de D. João VI, pai de D. Miguel, e através de análises levadas a cabo descobriram um teor de arsénico seis vezes superior àquele que facilmente provocaria a morte em alguém; crê-se que esse elevado teor terá sido resultado de uma toma apenas (!). Será por isso que em Julho de 1833, ainda durante a guerra entre irmãos que cobriu Portugal do sangue dos mortos e feridos, D. Pedro, ao visitar o caixão de seu pai colocou um papel sobre o mesmo, escreveu nesse papel e aplicou-lhe um prego? Lia-se no papel, à mão de D. Pedro:
= hum filho Te assassinou:
= outro filho Te vingará
= 29 de Julho de 1833. – D. Pedro. =
O Infante D. Miguel, filho de D. Carlota Joaquina, em gravura tirada de pintura coeva
Nesta sangrenta guerra que opunha Liberais (influenciados pelos motivos da Revolução Francesa) a Absolutistas (influenciados pelo poder totalitário que D. Miguel pretendia para si), estes últimos tinham uma grande parte da nobreza e da facção religiosa por si, mas caindo no erro de aplicar castigos desumanos e com falha de mesura a quem lhes fosse oposto.
A Igreja de São Pedro de Penaferrim em meados do século XX
Até Janeiro de 1830, a mãe de seu “querido filho ElRei D. Miguel” esteve por estes actos. E morreu. Morreu em Janeiro de 1830 no Palácio de Queluz. Por todos os crimes e transgressões que se cometiam, levar o corpo da Rainha que seu filho absolutista defendia para Lisboa, para o jazigo da Família Real e da Casa de Bragança, era impensável no clima em que se vivia.
Foi assim que a Rainha D. Carlota Joaquina no dia 10 de Janeiro de 1830 - já estando ligada ao Palácio de Queluz, ao Palácio do Ramalhão, à Vila de Sintra de diversas maneiras como se pôde ver nas suas exéquias realizadas na Igreja de São Martinho – o seu corpo saiu do Palácio de Queluz onde recebeu uma salva de armas, passou na Ponte Pedrinha recebendo outra, no Ramalhão mais uma, e ao entrar na Igreja de São Pedro de Penaferrim, recebeu a última, voltada para o Ramalhão.
Fragmentos de ambiente medievo da Igreja de São Pedro de Penaferrim em fotografia do autor
Aí esteve o seu corpo durante quase 30 anos. Só em 22 de Outubro de 1859 é que a Rainha malquista saiu da Igreja de São Pedro de Penaferrim, para ser por fim alojada no Mosteiro de São Vicente de Fora, no Real Jazigo da Casa de Bragança, jazigo esse mandado erigir pelo Rei D. Fernando II.
E assim, com o passar dos anos se vão desvelando cada vez mais as histórias que em São Pedro de Penaferrim se passaram, os corpos em vida ou em morte que por sua Igreja entraram.
por Miguel Boim, O Caminheiro de Sintra
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